Aprendendo a Ser Humano

Ou: Perguntando-me o papel da educação na Era Contemporânea

Alexander Carneiro
6 min readAug 13, 2020

O que significa aprender e ensinar nos dias de hoje? Há algumas décadas atrás, talvez até um ou dois séculos atrás, não havia muita dúvida sobre a importância desse processo. Claro, até hoje são debatidas as melhores técnicas, abordagens e metodologias de ensino-aprendizagem, cada uma argumentando que a sua maneira é a melhor para a geração e a transmissão de conhecimento envolvendo mestres e aprendizes. Apesar de serem muito boas nesse processo acadêmico de argumentar e refutar entre si, as abordagens pedagógicas individuais não parecem entender que o mundo mudou radicalmente e, também, que o tempo no qual foi criada a educação como a conhecemos não existe mais.

A educação formal como a conhecemos — professores, alunos, salas de aula e conteúdo de um currículo — é um produto direto do Modernismo e do Iluminismo e que, por sua vez, é um produto direto da educação na Idade Média. Com o aumento da presença de fábricas a partir do século XVIII, a aceleração na descoberta de novas tecnologias e a necessidade de criação de mais postos de trabalho, tornou-se essencial garantir que uma boa parte da população fosse capaz de exercer habilidades básicas e articular conhecimentos também básicos. Não é a toa que disciplina, ordem, repetição, pontualidade, respeito à autoridade e outros conceitos são trabalhados não só em escolas, mas também em empregos industriais. O mundo Moderno precisava de cidadãos saudáveis, habilidosos e obedientes, é por isso que algumas outras criações sociais desse tempo envolvem a busca por saneamento básico universal, campanhas de vacinação, sistemas de saúde pública, ensino público e a própria polícia uniformizada.

Mas o mundo Moderno e o mundo Contemporâneo tem uma diferença fundamental. Mesmo considerando todas as grandes e importantes diferenças técnicas, sociais, políticas e histórias entre os dois períodos, há uma que se destaca: A Era Moderna acreditava fervorosamente no futuro. Se há uma característica que pode definir o espírito moderno é o fato de que as pessoas acreditavam que o progresso científico e o pensamento racional iriam sem dúvidas levá-las à construção de um mundo utópico. Um paraíso na terra. No século seguinte e até o início do século XX, podemos ver as tentativas da construção desse paraíso, com as grandes teorias tentando encaixar os seres humanos nesse mundo destituído de significado através da ciência. Não entendam mal, os humanos sempre souberam que um dia viria após o outro e que depois do inverno chegaria a primavera, mas a crença no futuro não fala apenas do futuro cronológico, mas sim do uso de recursos do presente para a criação de um futuro cada vez melhor, mais desenvolvido, mais próspero. Fundamentalmente, havia justamente a crença de que “sim, o amanhã será melhor que o hoje, por isso trabalhamos, pesquisamos e investimos”. Caso perguntássemos a um fazendeiro medieval o que ele acharia que iria acontecer dali a 100 anos, provavelmente ele responderia que sim, ele e seus filhos poderiam estar mortos, o rei ou a rainha poderia mudar, mas ainda haveria um rei ou rainha, ainda haveria a fazenda, pessoas ainda comeriam pão, beberiam vinho e trabalhariam na terra. Caso fizéssemos a mesma pergunta a um artista ou industrialista do fim do século XIX, poderíamos nos preparar para ouvir suas mais loucas hipóteses sobre as maravilhas que a economia, a ciência e a tecnologia poderiam nos reservar para o futuro.

Eis que chega o século XX, com suas guerras, seus ditadores, seus crimes contra a humanidade, crises econômicas, crises políticas, crise ambiental, crise de valores… Enfim, um sem-número de rupturas objetivas e subjetivas que, inevitavelmente, foram minando de pouco em pouco a crença da humanidade no futuro próspero prometido. Eis que voltamos a um mundo que não vê o futuro com tanta esperança. Claro, ele pode até ser diferente, mas definitivamente será pior que o presente. A falta de fé no futuro não aconteceu de imediato, com o autor Franco Birardi apelidando o século XX de “o século que confiava no futuro”. Quando começamos a nos aproximar do fim do século, porém, inicia-se o que o mesmo autor chama de “o lento cancelamento do futuro.”

Em meu ensino médio e técnico — e provavelmente até o início de minha graduação — havia uma frase ocasionalmente repetida por estudantes: “Por que estudar, se o futuro é a morte?”. Com esse mantra comicamente trágico, atravessávamos nossos piores momentos estudantis, sem nunca realmente nos incomodarmos em tentar responder à pergunta. Somos a geração que não acredita no futuro e, ainda assim, estudamos, pesquisamos e trabalhamos. Parece que vivemos em um mundo onde não temos crenças futuristas, mas as instituições, sim. O texto até então foi um desvio para que eu possa contextualizar a pergunta do início: o que significa aprender e estudar nos dias de hoje? Para o que estamos nos preparando? Qual o objetivo? Algo parece ser unânime entre muitos alunos e professores: as escolas e universidades de hoje não estão preparadas para lidar com os alunos de hoje. O comumente citado aqui historiador e autor Yuval Noah Harari diz que parece que achamos mais fácil mudar a bioquímica do cérebro de nossas crianças do que alterar nossas metodologias de ensino. E isso é real. Em 2015, 7,5% dos estudantes do último ano do ensino médio nos EUA declararam ter experimentado adderall ao menos uma vez (esse número vem diminuindo). No Brasil, 7 a cada 10 alunos declaram sofrer de algum tipo de dificuldade mental ou emocional. Qual o problema aqui? Se não há mais futuro, qual o objetivo da educação?

Vejamos este trecho do livro de Harari:

Wilhelm von Humboldt — um dos principais arquitetos da educação moderna — disse que o objetivo da existência é a “destilação da mais ampla experiência de vida possível para formar sabedoria.” Ele escreveu também que “só existe um ponto culminante na vida — ter tomado as providências necessárias para sentir tudo o que é humano”.

É aqui que eu falo da Metadisciplina. A Metadisciplina é uma nova abordagem pedagógica criada por um fantástico grupo de profissionais, professores e alunos (do qual eu faço parte) e eu acho que, em parte, a frase de Humboldt poderia descrever o objetivo da Metadisciplina. Se não existe mais um mundo onde devemos nos formar enquanto trabalhadores do futuro, o mundo de hoje exige que nos formemos enquanto seres humanos. Através dos Princípios de Querer, Fazer e Pensar Juntos, a Metadisciplina articula metodologias e técnicas que permitem que alunos e professores troquem experiências em sala de aula. Experiências humanas. Mais do que a transmissão unilateral de conhecimento, há o compartilhamento de sabedorias.

Lya Calvet, 2019.

Aulas e avaliações são planejadas e re-planejadas em conjunto, todos cooperam na criação de objetivos comunais e assim busca-se que não apenas os conhecimentos curriculares sejam aprendidos, mas também que se desenvolva humanidade no processo. No pensamento da Metadisciplina, não há uma estrutura rígida a ser seguida, até porque nenhum de nós sabe de tudo (e o Google sabe mais que todos nós). Ao invés disso, a estrutura é flexível, adaptável, orgânica. Nem todos se sentem agradados pela abordagem, é claro. Assim como os alunos estudados por O’Neill e Fenstra, que preferem ler livros de história do que aprender o conteúdo através de um jogo, ainda existem os estudantes que preferem o ensino tradicional. Mas o que eles estão realmente aprendendo? Que futuro está chegando para eles?

E por falar em futuro, apesar de toda minha negatividade, o futuro parece estar sendo lentamente recuperado. Jovens parecem estar cada vez mais engajados em lutas sociais, políticas e em causas ambientais. Pessoas do feitio de Greta Thunberg e Malala Yousafzai parecem se levantar contra injustiças e o status quo. Sou cínico, mas espero sinceramente que consigam. A Metadisciplina é a abordagem para estas pessoas. Para pessoas que podem até não querer acreditar no futuro, mas querem ao menos desviá-lo de sua trajetória assombrosa. Para isso, me parece que todos devemos aprender a ser um pouco mais humanos (em algum sentido oculto da palavra). Não podemos deixar que nossa falta de esperança no futuro nos negue a oportunidade de alterá-lo.

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